Fisioterapia e os e-Sports

Os populares e-Sports fazem parte do dia a dia da população mais jovem, mas muitas pessoas ainda não conhecem o significado desse termo. Ele é utilizado para se referir aos campeonatos de jogos virtuais, com jogadores profissionais e transmissões ao vivo em plataformas de streaming.

O Valorant Lock In foi o último campeonato a nível mundial no qual o Brasil participou, com os times da Loud e Fúria. A Loud acabou ficando em segundo lugar na competição, perdendo para a Fnatic, time inglês.

O campeonato que aconteceu em São Paulo, no Ibirapuera, abriu a discussão para:

“Joguinhos” são esportes?

A simples prática não torna os videogames um esporte, porém, sua regulamentação e regularização em federações e confederações deixa de ser um hobby e torna-se um esporte.

A Confederação Brasileira de Games e Esportes (CBGE) foi fundada em 2019, e a partir desse momento a oficialização de ser um jogador profissional em algum jogo on-line se torna real.

Fisioterapeutas do meio:

Entrevistamos Vitor Kenji, pioneiro na fisioterapia especializada em e-sports, e Beatriz Flores, fisioterapeuta dos jogadores da Fúria, para falar um pouco de suas experiências e sobre o mercado neste novo ramo.

Vitor Kenji, que sempre foi fã dos jogos eletrônicos, se formou em 2009 em fisioterapia pela Universidade Nove de Julho. No ano de 2016, durante a época do Campeonato Brasileiro de League Of Legends (CBLOL), Vitor assistiu uma matéria sobre os finalistas do campeonato.

A matéria mostrava a rotina dos jogadores e apresentava: o técnico, o auxiliar, o psicólogo, mas nenhum fisioterapeuta. A falta de um profissional da área no mundo dos campeonatos de e-sports ficou “martelando” a cabeça de Vitor Kenji.

Esse momento deu a ideia de entrar em contato com os times, perguntando se eles gostariam de um fisioterapeuta no staff. Dos 53 e-mails enviados no final de 2016, 14 equipes responderam negativamente, mas uma aceitou ouvir sobre como a fisioterapia poderia ajudar.

Com a resposta positiva, Vitor preparou uma apresentação e a resposta foi que eles viam sentido na atuação da fisioterapia para a equipe, mas que seria difícil mostrar a importância mesmo sem sentir dores.

Ele só começou a ser procurado em 2017, porque no começo nenhum jogador queria fazer fisioterapia, mas as coisas mudaram quando um dos jogadores que iria jogar no dia seguinte havia acordado com torcicolo — após a sessão, ficou sem dor.

O boca a boca ajudou na divulgação e no terceiro mês a agenda já estava cheia com os jogadores querendo o atendimento. Atualmente Vitor Kenji segue apenas com atendimentos nessa área. “Saber que conquistei uma nova área para a Fisioterapia dá muito orgulho para mim”.

Hoje é possível ter Kenji como professor pelo seu workshop. Os atendimentos não mudam muito se comparados com o que acontece em uma clínica. Antes de todo começo de temporada é feito uma anamnese com o jogador e verificado sua ficha principal.

Existem ferramentas em que é possível ver a força muscular do atleta, além de avaliar a postura. Uma das coisas que muda é a avaliação passa também em como o jogador pega no mouse, ao poder causar diferentes lesões.

A DPI e sensibilidades usadas no mouse também são verificadas, por serem esses pontos que vão ditar com qual velocidade ou amplitude o jogador fará o movimento. Os exercícios e atividades feitas são mais preventivos, mas ele também atende casos de reabilitação.

Por ter um trabalho fixo nos times, a rotina é como se fosse de uma equipe de futebol, pois os jogadores terão sua rotina de treino, o horário da fisioterapia e o horário de fortalecimento muscular.

Em dias de jogos antes das partidas são feitas algumas ativações pré-jogo, que inclui: trabalho de mobilidade, aquecimento muscular, alongamentos e alguns trabalhos de tempo de reação.

Vitor diz que a melhor forma de evitar lesões para os jogadores que não conseguem ir a um fisioterapeuta é realizar o fortalecimento muscular, principalmente dos membros superiores. “Alongamento não previne lesão”.

Beatriz Flores é uma ex-aluna da primeira turma do Vitor Kenji, e hoje trabalha em um dos maiores times do Brasil, a Fúria.

Durante a faculdade, Beatriz já sabia que gostaria de trabalhar com esportes e cuidar de pessoas, por isso acabou escolhendo a fisioterapia, curso em que ela diz ter se apaixonado.

Em busca de especializações, novas possibilidades se abriram — a sua primeira especialização foi em pediatria no Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein e logo depois ingressou em fisioterapia musculoesquelética na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa.

No processo de procurar mais especializações, Beatriz conheceu o doutor Kenji, que acabou expandindo suas possibilidades. Por ter o videogame como lazer e sempre desejar trabalhar com esportes, ela viu a possibilidade que tanto gostava.

Em 2020 foi quando começou a trabalhar com organizações, mas a pandemia acabou dificultando um pouco o seu trabalho. Beatriz diz que ainda não existe um mercado para quem quer se especializar nessa área, o que tem é o workshop de Kenji, mas que não tem uma grade tão estruturada em comparação com uma pós-feita em uma faculdade.

Na hora da prática é semelhante ao que Kenji relatou: é feito um planejamento e uma avaliação geral e individualizada para ver a demanda de cada jogador, podendo variar entre coluna, ombro, punho, onde eles trabalham com a reabilitação e também com o planejamento a longo prazo, preventivamente, onde a atividade é feito com o corpo inteiro.

Além dos exercícios, atividades, ativação pré-jogo e alongamentos, às vezes o foco é em relaxar, com massagens, quiropraxia, liberação miofascial, entre outras técnicas. A maioria dos jogadores nunca participou de uma sessão de fisioterapia, então ao iniciar, muitas vezes, pega gosto em ter uma vida ativa.

“A gente cresce jogando videogame como lazer, então a gente nunca pensa em algo relacionado a isso [a saúde]. […] muita gente ainda nem sabe o que é fisioterapia, uma coisa que gosto de falar é que estamos aqui para espalhar a palavra da fisio e da saúde e performance no mundo de esporte eletrônico”, explica Beatriz.

Na hora de trabalhar, geralmente é uma organização que entra em contato, mas são pouquíssimas as que contam com fisioterapeutas. Essa área da staff de performance e saúde ainda está na luta por um maior reconhecimento. Para pessoas que não têm a possibilidade de ir ao fisioterapeuta, Beatriz recomenda o fortalecimento porque não adianta se submeter a uma longa carga de horas jogando, se não tiver o corpo preparado. E claro, ter seu momento de pausa — “é importante ter seu momento fora do computador, nem que seja para ir ao banheiro ou beber uma água”. A fisioterapeuta recomenda fazer essa pausa a cada duas horas jogando.

Ter uma vida ativa, fazer caminhada, pilates, academia, entre outros, também irá ajudar. “Se você tiver um corpo e uma mente saudável, há grandes chances de você não ter nenhuma lesão”, finaliza a fisioterapeuta.

Entre 2021 e 2022 aconteceu uma certa explosão no interesse na área da saúde e performance para times de e-sports. O mundo do esporte eletrônico está em expansão, mas ainda segue bem nichado.

Diogo Dias

Diogo Dias

Jornalista com mais de 10 anos de experiência na área da comunicação.
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